17.12.2021 Institucional

Os limites de horários e ruídos em obras na capital e o que muda com o Decreto 60.581

A Prefeitura do Município de São Paulo publicou em 27/09/2021 o Decreto nº 60.581, que regulamenta o controle de ruídos na execução das obras de construção civil. O decreto entrará em vigor noventa dias após a sua publicação, ou seja, em 26/12/2021.

Antes de analisar o conteúdo desse decreto, é importante salientar que a regulamentação sobre os dias e horários de trabalho permitidos em obras de construção civil, bem como sobre níveis de ruído, advém da interpretação conjunta de normas federais, estaduais e municipais.

No âmbito federal, a Portaria SEPRT[1] nº 1809 de 12/02/2021 (com efeitos a partir de 01/03/2021) alterou a Portaria SEPRT nº 604 de 2019, incluindo a construção civil no rol de atividades cujo trabalho é autorizado aos domingos e feriados, em caráter permanente. Como no estado e no município de São Paulo não existem restrições de dias e horários estabelecidas para o setor, deve prevalecer o disposto na portaria federal, ou seja, as obras na capital podem ser realizadas em qualquer dia ou horário.

Já em relação aos níveis de ruído em obras de construção civil, são aplicáveis até 26 de dezembro de 2021 os parâmetros constantes na Lei Municipal nº 16.402/16 (Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo ou, simplesmente, “LPUOS”). Segundo o art. 146 da aludida lei, “fica proibida a emissão de ruídos, produzidos por quaisquer meios ou de quaisquer espécies, com níveis superiores aos determinados pela legislação federal, estadual ou municipal, prevalecendo a mais restritiva”.

 Além disso, o art. 113 da LPUOS determina que os usos residenciais e não residenciais dos imóveis deverão atender aos parâmetros de incomodidade constantes no Quadro 4B da lei, que poderão variar conforme o zoneamento e os horários diurno e noturno.

O art. 146 da LPUOS também determina que, caso existam parâmetros mais restritivos na legislação estadual ou federal, estes prevalecerão em relação à legislação municipal. Não há restrições adicionais na legislação estadual, mas no âmbito federal é necessário mencionar a NBR 10.151, que fixa critérios para a avaliação de ruídos em áreas habitadas, e que traz alguns parâmetros mais restritivos do que aqueles existentes na LPUOS[2].

A NBR 10.151, no entanto, não é uma norma jurídica, mas uma norma técnica. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), a quem compete a elaboração das Normas Brasileiras, por sua vez, não é um órgão governamental, mas uma associação privada de normalização e certificação. As normas técnicas são elaboradas em consenso pela sociedade, com a mediação e as “regras secundárias” da ABNT, a quem compete homologar os documentos resultantes dos fóruns de discussão.

Em respeito ao princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, uma norma técnica somente se torna obrigatória se uma lei assim determinar[3]. No caso da NBR 10.151, não há lei federal, estadual ou municipal que torne obrigatória a sua aplicação, motivo pelo qual o seu caráter orientativo e normalizador não pode ser confundido com o caráter cogente de uma regra jurídica[4].

A partir de 26/12/2021, com a entrada em vigor do Decreto nº 60.581, a regulamentação do assunto será substancialmente alterada. Segundo esse decreto, na execução de obras de construção civil sujeitas a Alvará de Execução, será considerado normal o agravamento permanente da poluição sonora até os seguintes limites de pressão sonora RLAeq:

  • Segunda a sexta-feira entre 7 e 19 horas: 85dB(A);
  • Segunda a sexta-feira entre 19 e 7 horas: 59dB(A);
  • Sábados entre 8 horas e 14 horas: 85dB(A); e
  • Sábados entre 14 horas e 8 horas, domingos e feriados: 59dB(A)

Os limites acima não serão aplicáveis às atividades de movimentação de terra, fundação, demolição e estrutura, desde que realizadas no período compreendido entre 7 horas e 19 horas, de segunda a sexta-feira, exceto feriados. O racional das exceções está no fato de que estas atividades geralmente produzem mais ruídos e possuem menor duração considerado o cronograma da obra como um todo. Conformá-las à regra geral, portanto, poderia inviabilizar a construção civil no município.

Os limites também não serão aplicáveis a atividades de carga e descarga, desde que realizadas no período compreendido entre 21 horas e 0 horas, de segunda a sexta-feira, exceto finais de semana e feriados. Nota-se nesse trecho que o Poder Executivo buscou harmonizar os limites de ruídos com a restrição à circulação de caminhões no centro expandido da capital, proibida de segunda a sexta-feira entre 5 e 9 horas e entre 17 e 21 horas e aos sábados entre 10 e 14 horas (exceto feriados). Embora a exceção pudesse ser válida apenas para a zona de restrição à circulação de caminhões, decidiu o Poder Executivo não fazer tal distinção e, dessa maneira, evitar discutir situações anacrônicas – como eventual dificuldade de acessar uma zona sem restrição sem passar por uma zona com restrição.

Os limites também não serão aplicáveis a obras públicas ou particulares de caráter emergencial, que por sua natureza objetivem evitar colapso nos serviços de infraestrutura do Município, ou risco à saúde, à vida e à integridade física da população. Também não serão aplicáveis a obras públicas, ainda que estas não possuam caráter emergencial (nesse ponto, não parece acertada e justificável a decisão do “legislador”).

O decreto também estabelece que a competência para a fiscalização de ruídos e obras continua sendo da Divisão Técnica de Fiscalização do Silêncio Urbano – PSIU. Em caso de desrespeito aos parâmetros estabelecidos pelo decreto, a obra estará sujeita a multa na primeira autuação, multa em dobro da segunda autuação e multa em triplo e embargo na terceira autuação.

Cumpre salientar que os atos do Poder Executivo estão sujeitos ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário. É necessário, portanto, acompanhar como o Judiciário interpretará o decreto, pois algumas atividades ficaram sem nenhuma limitação de ruído. Tampouco foi estabelecida a obrigação de minimizar a incomodidade sonora da atividade com o uso de métodos executivos menos ruidosos ou de equipamentos de isolamento ou absorção acústica[5].

É necessário reconhecer, no entanto, que o decreto buscou criar parâmetros realistas e tenderá a inspirar outras municipalidades. Trazendo maior clareza através de uma regulamentação mais especializada, buscou também diminuir a litigiosidade e a judicialização dos conflitos entre vizinhos ou entre vizinhos e incorporadoras e construtoras, com a harmonização do direito ao sossego com o direito de propriedade e a livre iniciativa.

[1] Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, então parte do Ministério da Economia.

[2] O quadro do item 6.2.4 NBR 10.151 é aplicar automaticamente os limites constantes na Tabela 1 sem considerar os procedimentos de aferição estipulados pela norma.

[3] O caso mais famoso de aplicação de norma técnica determinada por lei encontra-se no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, que define como prática abusiva, dentre outras, “colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro)”.

[4] Em sentido diverso, Carlos Pinto DEL MAR, Falhas, Responsabilidades e Garantias na Construção Civil. São Paulo: Pini, 2007, pp. 173-181.

[5] Recomenda-se, ainda, que as próprias obras adquiram um decibelímetro e realizem medições periodicamente para cada atividade. Trata-se de um equipamento de baixo custo e que pode ser adquirido facilmente pela internet.

Veja o decreto aqui: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-60581-de-27-de-setembro-de-2021

Rafael Silva Izaias

Advogado | Direito da Construção | Imobiliário | Empresarial | Contratos

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